Sou o produto
de um corte sincrônico
na diacronia da eternidade.
Apresento-me:
geminiana
de 27 de maio de 1948
que botou a boca no mundo
pela primeira vez
num meio-dia cheio de sinos e feriados.
Castor e Pólux
em coexistência quase amistosa,
mineira por contingência e vocação,
cultivo silêncios
no solo adjetivo
das ambigüidades.
Detesto
lavar
passar
cozinhar
mas coleciono receitas
(sobretudo as complicadas).
E de repente
posso até ir para a cozinha
e inaugurar um prato
absolutamente inesquecível.
Não acredito em Deus:
tenho certeza de sua existência.
Faz tempo que não sei
o que é chorar
apesar de ter, como Neruda,
"de los hombres la misma mano herida".
Guardo
com
devoção
duas
cartas
do
Drummond.
Acordo no meio da noite
com meu filho de dois anos
me pedindo coca-cola
e sorrio.
Sou professora
de uma universidade
federal autárquica,
grevista todo ano
(desnecessário dizer por quê).
Sou pessoa física
segurada do INAMPS
mutuária do BNH
contribuinte do IR
(poeta por teimosia).
Sou leitora
eleitora (?)
telespectadora
consumidora
do bem e do mal.
Sou tudo isso
e não sou nada disso:
instauro no amor
meu pouso e meu repouso
sabendo que a vida,
como a poesia,
é um estado de graça.
Caçador e presa de si mesmo
o poeta se desnuda
até o inevitável
Eu tenho um corpo
que tem um peso
e uma medida certa
para embarcar no tempo
e esculpir meu espaço no mundo.
Máquina, que mantenho com cuidado
para funcionar sem erro;
lâmpada, que acendo com prazer
para gerar felicidade.
Eu tenho um corpo
de água e sal
de sangue e sol:
veste litúrgica,
telúrica semente
que se descasca um dia
para adubar o útero da terra.
No céu,
a barriga amarela da lua
fecunda o sonho vadio
dos filhos da madrugada
Na terra,
o ventre grávido
da mulher sem nome
encerra o universo