CALOR DE JANEIRO
Quando Janeiro faz cheirar o asfalto
e esquenta todo o resto de sombra
quem pode, nela se recolhe.
Com o cair da tarde
e a calçada que agora
pouco arde
ponho o crepúsculo a derramar
pernas pelo passeio.
Já de noitinha
à janela eu chego junto
e perplexo eu me pergunto:
Para que tantas pernas
de minissaia pelas ruas andando
?
Se estou aqui só,
com culpa e com dó
de só estar olhando...
SEM TOSTÃO
Pus cáustico corroendo
A base do meu presente,
Cólica expansiva invade
o meu cotidiano,
Soberano sentimento de impotência.
Paciência árida,
também como haveria de ser ?
Vejo o mundo pela retina do míope
(o logo ali se embaça
como se embaça o porvir).
O amor ainda existe,
Porém, hoje tem firma
reconhecida.
Carcomido pela condição
humana...
Não, mundana de final
de século,
Sigo opaco, oprimido
Pelas ruas e vielas
Vendo nelas a concretude paralela
da cidade.
Estou soando e suando
O silêncio da rotina,
Correndo nem sei mais para onde
Como a raiva desmedida
Do cachorro que lata para o muro.
Sinto-me comprimido por fora
E dilatado por dentro.
“A vida é assim mesmo”,
É a única coisa
que ouço,
Mas vou pela semana angustiado
Por não ter um tostão
no bolso.