POEMA A FERNANDO PESSOA
O que eu sou hoje ?
O que eu sou hoje é sequer
um milésimo
Do que eu houvera planejado.
O que eu sou hoje é a
comodidade vazia
De minha cama, meus lençóis,
meus cobertores...
O que eu sou hoje é o
não lutar do meu país,
Definhando mais e mais a cada
fração da história.
O que eu sou hoje é a minha
refeição,
É o pão nosso de
cada dia
Que a alguns de meus irmãos
é renegado.
É o escárnio dos
banquetes de convivas
Camuflando a solidão do
sótão de minha consciência.
É o lírio austero
e resoluto da fome
Sob a fachada áurea a
nos cegar.
O que eu sou hoje é a pedra
sagrada
Que se esculpira de isolamento
social.
É o medo que repudia o
próprio sofrer
E se afasta das dores, do mundo,
das pessoas
Dos choros de crianças
e da angústia dos velhos.
O que eu sou hoje, amigo meu,
É morrer sem Ter deixado
me inflamar.
É estar só na estupidez
coletiva.
É viver o pesadelo da
morte
E não se comover.