CANÇÃO COMO VIDA
Passam os fatos da vida:
a queda do império romano,
Sinatra bebericando num canto,
Dona Maria servindo a última
refeição do marido.
Nada turvo – todas as almas coexistem,
como fantoches, ou bailarinas.
A estátua de Pedro, o
imperador, sorri.
Chove e ninguém o vê
com seu riso maroto
de quem sabe o que reina sobre
os homens –
ainda que digam que o rei é
sério e soturno:
não o meu rei: ele é
uma estátua de sonho.
Somos comuns e mais comuns nos
tornamos
quando a tarde cai e para casa
voltamos.
Uma bomba cai no Iraque. Outra
em Kosovo.
E quem morre é o mendigo
que ontem
cumprimentamos: sombra de nosso
tempo a nos dizer quem somos.
Meu dia é o de Pedro,
e Malaquias,
e Salomé, e Maravilha,
o imperador
negro das ruas de Petrópolis.
E também
é Conceição
e Tânia e Gerson e Fernando
e todos os que vivem sobre a
terra grávida de futuros.
Meu tempo é um menino
mimado pela mão de todo ser.