Ymah Théres
 

“Para o que não tem mais razão
a calma do louco ensinou a dizer nada.
Para o que não tem mais nada
a calma do louco ensinou a dizer razão.”

{MILTON NASCIMENTO E MÁRCIO BORGES –
A sede do peixe (para o que não tem solução)}
 
 

INVENTÁRIO
 

Permitirei ao rosto
que se dispa, em silêncio,
das usuras do tempo:
à linha do lábio
legarei a memória do beijo;
à curva da mão
o gesto simples do afagar;
aos olhos, que buscaram,
a maciez do orvalho.

E ao corpo, que adocicou
com seu louco mistério
a vida dos dias perdidos,
doarei chaves de solidão.
 
 
 

LAÇO DE CHAMALOTE
                                         Em memória de minha mãe
 
 

Como se desfaz o laço
se o dedo se isola
à íntima busca
do chamalote azul ?

Todavia, a vida
– como o laço –
se desata ao sopro do tempo:
eis que início e fim
de leve se horizontam
e o chamalote, de azul,
transmuda, níveo,
no arco-íris volátil.


 
 
DO LÁBIO AMANTE

Matizes nos incrustam
à rosa, mas a rosa
se junta à vibração da brisa:
esfolha-se.

Talvez amanhã reste
à memória o olor
da flor. Hoje é a madrugada,
quando o acúleo nos fere,
no engodo da fome
que assola.

(Resta-nos o conflito
de musgo pisado).

Quem nos redimirá
do primeiro langor
do lábio amante ?



 
 
 
ARIETA

“Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.”

(FERNANDO PESSOA)
Beijar-te como semente
evolada beijar-te como
criança. Beijar-te

com arte como serpente
acuada. Com arte como
uma dança com arte

na morte como uma ponte
em cuidado. Na morte como
um descanso na morte.

 
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