AO PRINCÍPIOIacyr Anderson Freitas
as palavras perderam-se
pelo chão comum
das mitologias, ah
decerto não souberam chegar
ao princípio
ao âmago
ao núcleo da água e do limo
(quem as visse
ante o ouvido endurecido,
já perdidas,
rogando clemência ou nacos de pão
ou vinho)mas nada, nada resta agora
das palavras,
sua geometria quebrou-se,
desolada.pois que não fique pedra sobre pedra
pois que nada ao tempo frutifique
e entre o extremo recinto da palavra
reste apenas uma nau,
sozinha,
e um dique.
TRANSPARÊNCIA
PASSAGEM
apenas isto: uma luz
que nos deixasse,um sopro, algo
leve, imperceptívelaté, e após
um silêncio, um silênciotão profundo
que, dentro, ouvíssemosum tambor, a própria
terra (agora postaem corpo, agora
percutindo nos ossos,em nosso corpo)
isto apenas,e o esquecimento
dos dias, a trevaconsumida em treva
e assombro e cal.nenhuma carta
nenhum acenosomente o manto
escuro destes seixose o silêncio sob a terra
que fugia
perfeição que antes
aquece a eternidade
em tuas redescom paixão
te convocamosonde o curso do tempo
melhor fenece
e volta
neste lugar
te convocamosonde ele se encontra:
um erro
diante da sede
que te revolve(esta a nostalgia que
incapaz de traduzir-se
resiste
sob os seixos, qual
o descuido
das últimas hordas
na noite)esta a eternidade
que, de longe,
estreita-se
e punge,
súbita,
a teus joelhos.