FABRÍCIO HELENO

 
 
 
 
 Juiz de Fora, terça-feira, 21 de julho de 1998

Querida Catarina,

Faz tempo. Tenho andado muitíssimo ocupado, sempre envolvido com meus inúmeros projetos e com o trabalho que nunca finda. De novidade, apenas algumas desilusões que, claro, dão lugar a novas ilusões. Mas, devo admitir, minha preguiça continua imensa: grande o suficiente para deixá-la sem resposta durante meses e para continuar fracassando em muitos sonhos.

Também andei revendo alguns conceitos, tentando extirpar alguns males que a cultura e o tempo me deixaram. Você sabe melhor que ninguém, sou um eterno crítico, busco incansavelmente fazer-me cada vez menos ator de mim mesmo. Mas, admito, sou fraco.
Cortei meus cabelos há três meses atrás, mas eles já estarão, creio, daqui a poucas semanas, do mesmo modo como quando me conheceu. Você se lembra? Castanhos como sempre. De resto, minha miopia aumentou, o médico sugeriu lentes mais fortes para os óculos e cuidados normais. Voltei a praticar esportes; nada muito cansativo ou sistemático,
é claro, pois você bem sabe que as atividades físicas não me atraem necessariamente, mas não sinto, por outro lado, desprezo pelo esforço. Como poderia? Tenho altura interessante para praticar alguns esportes, mas a falta de algumas gotas de sangue negro no meu corpo me fizeram ruim de samba e ruim de bola. Minha pele branca e meu gingado não enganam ninguém.

Talvez Deus devesse ter-nos dado tempo maior durante o dia, quem sabe trinta e seis horas, o que me daria a chance de ser um atleta e me aplacaria um pouco a sede de conhecimento. Mesmo que eu fosse um péssimo atleta... e um eterno ignorante. A propósito, andei pensando Nele. Já fui um católico descrente e depois um ateu convicto, você se lembra, de discursos inflamados contra o céu. Agora, desde minha última carta, posso dizer que mudei. Nem católico descrente, nem ateu convicto; ateu descrente. Continuo desconfiando do céu e desconfiando da terra. Mas, do mesmo modo que acredito na bondade dos homens, começo a questionar a total falibilidade de Deus. Existe algo mais, enfim.

Como me pediu, estou lhe mandando, juntamente com a carta, os discos de vinil do Vinícius de Moraes. Bem sabe o quanto gosto de MPB: por isso, cuide deles com carinho. Eu, apesar de ser apaixonado pela música, desisti de ser um instrumentista: falta-me dom. No entanto, conheci recentemente algumas pessoas que desejam seguir a careira musical. Torço por elas.

Como vê, continuo torcendo por todos que me rodeiam. E continuo ficando triste quando me chamam ou me crêem bobo. Bobo não. Ingênuo, talvez. Mas, afinal, nesta vida, nada mais ingênuo do que um homem de vinte anos.
De resto, continuo melancólico por você estar tão longe de mim, meu amor.

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